quinta-feira, outubro 23, 2008

Mil pedacinhos

Ela ouviu as palavras. Martelavam na sua cabeça. Por quê? Incompreensível. Ela não conseguia achar motivos razoáveis. Não parecia lógico. Não se encaixava. Não parecia ser ela. Não era ela. Mas era. E aconteceu. E a destruiu. Aquela velha história. Corações que se quebram. A tempestade veio e o dilúvio tomou conta. Palavras desconexas hermeticamente guardadas insistiam em sair. Duelo. Náuseas. Choro. Falecimento. Trégua. Calmaria. Tristeza. Apenas tristeza. Tristeza profunda. Levantou e saiu pela porta. Foi para casa. Escovou os dentes. Pegou um livro. Deitou as páginas em seu colo. Respirou fundo e olhou bem à sua volta. Colocou o pijama. Apagou a luz. Deitou-se na cama. Estava viva, mas se sentia morta na maior parte do tempo. Seu coração de fato estava destruído. Tentava apenas dizer a si mesma que tudo ficaria bem. Talvez agora não devesse pensar em mais nada. Fechou os olhos e dormiu. Às vezes a chuva pode ser amarga.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Sobre como voar

Estava sentada no banco da praça, sob o céu estrelado, olhando para o nada. Não estava ali. Viajava por lugares desconhecidos, por mistérios a desvendar, por sonhos a serem realizados. Notava que sua vida parecia vir de um roteiro de filme inacabado. Cada segundo parecia ter um impacto relevante para determinar o caminho a ser seguido. Pensava em surpresas, em cenas infinitas, em desejos implícitos, em diálogos estimulantes. Sentia-se como a película marcada pela luz, que revela paisagens indescritíveis, que provoca sensações impensáveis, que imprime na efêmera existência humana as mais doces memórias. O silêncio se quebrou. Logo ali, um punhado de pássaros barulhentos, disputando o último farelo de pão. O vôo insólito havia terminado. De pronto, soube. Voar é um estado de espírito. Envolveu-se de uma serenidade admirável. Sorriu. A segunda estrela à direita insistia em brilhar mais forte. Naquela noite, decidiu perseguir o brilho incessante até o amanhecer.

terça-feira, setembro 02, 2008

Contradição inquisitória

As perguntas às vezes são muitas, mas se calam no íntimo. Insípidas, querem explorar algo dormente. Aquilo que permanece incógnito no vazio pretérito. Querem saber o porquê de algumas coisas incompreensíveis. Ou talvez de uma específica. Daquele dia. Ou talvez por que ele falou que nunca mais iria procurá-la. Querem saber ainda mais. Se ele gostaria de perguntar também. Se o silêncio dela significa indiferença. Se algumas palavras são ditas dissimuladas em mágoa. As perguntas insistentes são diversas, mas todas elas sem importância aparente. Guardam um quê de curiosidade masoquista. Estão ligadas à incerteza de apostar alto em algo que se acredita. E no medo pavoroso de que isto se desmorone. São interrogações que tornam frágeis os laços de cumplicidade. Almejam serem satisfeitas, porém temem a tormenta que podem provocar. Aguardam inquietas por serem insignificantes. Tentam destruir a beleza do que é. Mas que, comparadas a isto, desfalecem. O brilho da viagem as obscurece. O pensamento se alegra da vertigem e todas as perguntas perguntam-se: afinal, por que ainda estamos vivas?

sexta-feira, agosto 22, 2008

Peace of mind – don’t assign me yours

A cabeça dá voltas. O tempo pára, de maneira retrógrada. Você custa a acreditar. Você não quer acreditar. Exatos dois meses atrás a vida virava de pernas para o ar. Maravilhosa e intensamente. No instante em que se fez exatos dois meses tudo ruía. O sonho de um abraço tornou-se um beijo gelado em uma boca qualquer. Os olhos olharam retinas estranhas. A pele sentiu o calor alheio. Não há porquês razoáveis. Há apenas o egoísmo. Falta de consciência. Falta de respeito por algo que se dizia sublime. E o símbolo daquilo estampado no peito. Contudo, esqueceu-se. Você sabia que algo assim aconteceria. Mesmo assim, você foi. Indo, encontrou amigos. Você foi avisado do que seria um erro. Mesmo assim, insistiu. Fez. Você pensou nisto no outro dia. Silenciou. Preferiu não se abrir. Preferiu que outras vozes dissessem. Você foi covarde. Você optou pela irracionalidade quando precisava pôr os pés no chão. Você pirou. Enfureceu-se. Fez besteira. Ao menor sinal de sofrimento. Isso significa uma coisa ou outra. Mas significa também que você optou pelo não-sentimento. Sim, você foi covarde. Você não quis enfrentar os fantasmas. Quis extravasar. Só que acabou rachando o cristal precioso. Agora está ali, estático. Nada faz. Permanece na inércia. Se o que sente é sublime, não sei do que chamar a desesperança. E os minutos da vida passam por aí. E, como diria Nietzsche, abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos.


"Too many guys think I'm a concept, or I complete them, or I'm gonna make them alive. But I'm just a fucked-up girl who's looking for my own peace of mind; don't assign me yours." (Clementine In Eternal Sunshine of the spotless mind)

domingo, julho 13, 2008

Aniquilação sentimental

Esqueça que eu existo. Vá embora. Nunca mais se aproxime. Tudo o que você era não passa de ilusão severa, que esmigalhou o ingênuo coração. A dor transformou-se em raiva. A raiva transformou-se em ódio. E o ódio, meu ordinário ninguém, virou a casaca e resolveu amigar-se com a indiferença. Provou, e resolveu que é mais doce optar pelo não-amor. Pelo não-sentimento. Você agora não passa de um não-qualquer. Você agora só receberá meus 'nãos', com uma única exceção: o foda-se.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Medos doeM

Destilei minha indiferença por você nos arredores da selva de concreto. Os ares passaram, as nuvens vieram, mas a chuva com medo nem caiu. As flores, contudo, ficaram mais vivas e me falaram de seu anseio secreto: seu coração é triste, carente, solitário, e tem medo de ficar vazio. Você me avisou, me disse que não confiasse em você. Mas eu disse que confiava, que achava que podia você merecer. E a verdade que cala é que seu coração é de pedra, tão frágil quanto a pétala. As flores são belas, o inverno é quente, a chuva é doce, o vento é quietação. Você corre em busca da felicidade aonde ela menos lhe espera. Seu semblante é a máscara, seu amor é oculto, e seu medo é prisão. Os medos, amor, às vezes são imperceptíveis, às vezes doem amanhã. Mas ser escravo do medo dura para sempre. Daqui vejo as dores desalmadas, ininterruptas. Mas vejo você, vejo os beijos, vejo os braços e abraços. Vejo os olhares perdidos, vejo as palavras não ditas. Vejo também outras coisas que me são incompreensíveis...