segunda-feira, dezembro 21, 2009

Sobre o magnetismo

Fitou ao longe os olhos daquele ser misterioso. Sabia quem ele era casualmente. Já havia trocado duas palavras despretensiosas com ele, encontrou-o diversas vezes em festas e reuniões, porém sempre de maneira superficial. Sentiu um calor inexplicável quando fechou os olhos e imaginou aquele rosto se aproximando. Ele estava vindo cumprimentá-la, embora estivesse sozinha. Aquela atitude a surpreendeu. Achava que ele convivia com ela por pura obrigação. Tinham amigos em comum, frequentavam as mesmas rodas. O acaso era a grande engrenagem de seu relacionamento quase inexistente. Ele disse 'oi' e ela respondeu timidamente, com os olhos fixos no chão. Não conseguia olhar no rosto dele. Ficaram em silêncio. Não sabiam se tinham alguma coisa em comum. Os tópicos de conversa entre eles eram limitados aos clichês. Ela sabia apenas que sentia uma atração inexplicavelmente sufocante em relação a ele. Algo animal. Como se bastasse agarrá-lo e beijá-lo e sabe-se-lá-o-quê até apagar aquela vontade inexorável, e pronto. Por isso talvez não conseguia ficar muito tempo ao seu lado. Era difícil controlar aquilo sem parecer doida varrida aos olhos dele ou de quem estivesse por perto. Quando estava a seu lado, perdia o rumo. Ficava ofegante. Era incapaz de construir uma simples argumentação. Como se ele fosse a kryptonita da racionalidade dela. Como se ele fosse o catalisador afrodisíaco de seus instintos femininos. Parada ali ao lado dele, ela se contorcia de desejo e se penitenciava por não poder fazer nada a respeito. Não cabia a ela essa iniciativa, pensava. Muitas amigas criticavam o seu modo romântico "à antiga". Não ligava. Ela era daquele jeito e nunca mudaria. Eles trocaram mais alguns resmungos, uns sorrisos tímidos, até que ele balbuciou alguma coisa. Ela, ansiosa, sinalizou para que ele repetisse o que tinha dito, ainda sem coragem de olhá-lo nos olhos. E ele a convidou para um cinema. Ela se derreteu. Aceitou. Começou a tramar diversas possibilidades em sua mente afoita, na esperança que ele sentisse ao menos um décimo do interesse que a consumia. Mal sabia a pobre que ele estava prestes a lhe arrancar o mais arrebatador dos beijos...

terça-feira, dezembro 01, 2009

Hipocondria

Sentia dores estranhas, inidentificáveis. Doía aqui, doía ali, doía lá. Dor difusa que parecia irradiar do coração. Sentia-se uma verdadeira vítima do acaso. Que maldade deste tal acaso! Estava planejando mudanças, revoluções e gritos de guerra. Mas nada fazia. Talvez uma ida ao médico pudesse melhorar tudo. Ou talvez pudesse se esconder em sua toca. Talvez se ninguém a visse, a dor poderia desaparecer. Esperava sinceramente que a ajuda de que precisava chegasse em um cavalo branco, espada em punho e disposta ao beijo do amor eterno. Do alto da sua torre de cristal, alternava entre a indecisão, a negligência e a inércia. Não queria perceber que de mitos ninguém nunca chegou a lugar algum. Que de contos de fada só vivem os grandes estúdios de cinema e The Happiest Place on Earth. Que nem a maior descoberta da ciência poderia aplacar a dor que sentia: o mais desesperador dos vazios.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Da recalcada vindita

Às vezes queria sentar-lhe bofetões na cara, para liberar as mágoas que ainda guardava. Queria lhe fazer perguntas cretinas, melindrá-lo, bramir-lhe alguns impropérios. Fazer com que a lamúria estulta desaparecesse. E depois disso, iria deixá-lo. Isso não é hilário? Ora, cruzes, amava-o loucamente! Pois bem, de fato: o amor é um contentamento descontente.

domingo, setembro 13, 2009

Sobre formigas e ácaros

O negócio começou cedo. De um lado a formiga, cansada e mau-humorada. De outro, o ácaro, feliz da vida a cantarolar. Ela vinha de semanas de tensão, muitas palavras não-ditas (e malditas), muito rock’n’roll, muita bebida, muito descompromisso, enfim, perdida na vida. Mal sabia de sua condição de himenóptera. Uma total amnésia existencial. Foi quando deu de cara com o ácaro. Ele a chamou de formiga, emendando um glorioso 'bom dia'. Aquilo lhe parecia ultrajante. Como se atrevia o ácaro?? Ela logo o chamou de agente patológico, de aracnídeo mal-resolvido. Ele riu-se inteiro. Gostou dela. Ela, mesmo o achando insuportável, acabou por se render, depois de muitos esforços acarofílicos para combater aquela acarofobia toda. Mas ela deixava bem claro: 'ele é apenas meu fuck buddy, ouviu?!'. O tempo passou. A formiga, encantada com a acarodomácia que produzia a acarofilia entre eles, em seu leito verdejante, passou a corar quando lhe perguntavam sobre o ácaro. Pois bem, meus caros, não há outra verdade, embora a formiga não queira admitir: ela está mesmo apaixonada!!!

sábado, setembro 12, 2009

A canarinha

No fundo, bem lá no fundinho do seu coração, você diz que gosta de futebol só para parecer mais atraente para o sexo oposto. Ou então porque é louca por jogador de futebol (vai dizer que em 2006 não prestou atenção concentrada, em momento algum, nas pernas - e tudo o mais - do Alberto Gilardino?). Se mesmo assim você nega algum desses fatos, comece a considerar a possibilidade de que você joga no time errado. É inegável que os campeonatos regionais não são lá interessantes, ainda mais aqueles fora do eixo Rio-São Paulo. Os campeonatos nacionais, então, mais enrolados impossível. E tem a Copa do Mundo. Ah, a Copa. É quando você sai com aquela camisa da seleção (baby look, claro), coloca fivelinha verde-amarelo nos cabelos e até pinta as unhas de azul e branco. É nesta época que muitas de nós começamos a namorar. Você e suas amigas chegam naquele barzinho que transmitirá o jogo pelo telão, com direito a muita cerveja e diversos petiscos, arrumam uma mesa ao lado daquela recheada de gatinhos. Uma tática infalível, muito mais eficaz que a fantasia verde-amarelo-azul-e-branco, é saber quando e o quê falar sobre o jogo. Não existe homem que não fique doido por uma mulher que saiba do que se trata um impedimento. Que discuta com propriedade sobre a tática 4x4x2 em formato losango. Que identifique a formação de triângulos defensivos, tão característicos da marcação por zona. Que perceba quando o ataque deve ser feito em leque e a defesa em funil. Pois bem, você analisa o meio-de-campo e se coloca estrategicamente ao lado do zagueiro para evitar a marcação indesejada. Você identifica seu objetivo e vai atacando pelos flancos. Por fim, quando você passa bem atrás daquele fofinho lindo irresistível, o lance imperdível está passando na telinha. Ele está ali à sua frente, apreensivo, sem piscar os olhos. Você caminha graciosamente, chega ao lado dele e diz "Se agora já é emocionante, imagine em 1863, quando o sistema tático era 1x1x8... não entendo como eles conseguiam marcar impedimento naquela época!". Pronto. Ele (e você) perderam o gol. Todo mundo à volta pulou, comemorou, e vocês ali, um olhando para o outro. Você com um sorriso maroto. Ele, com a respiração presa e uma expressão de completo espanto. "Estou vendo que torcemos para o mesmo time", você fala para quebrar o gelo e aponta para a canarinha que ele veste, igualzinha à sua (exceto pelo fato de que a sua é baby look). Você dá uma piscada, mais um sorriso e vai para a sua mesa. Ele continua ali parado. O jogo acaba e o Brasil vence. O garçom se aproxima de você, lhe entrega um bilhetinho: "Será que a minha camisa e a sua podem torcer juntas no próximo jogo?". Você dá risada... é gooooooooooool! Depois que a Copa passar (e outras Copas virão), uma certeza: a sua canarinha vai continuar sendo jogada ao chão, em frente à cama, ao lado da dele.

sábado, setembro 05, 2009

Crise crônica insolúvel. Ou não. (como diria Caetano)

Querer explodir. Ficar na cama por horas, de maneira insípida. Sentir fome e ao mesmo tempo desejar não comer nada. Ser indiferente à própria aparência. Querer fazer e não achar fôlego, tampouco força. Lutar com a realidade. Esforçar-se para acordar. Sentir-se cansada depois de doze horas de sono. Querer escutar Bon Jovi. (Acredita?) Estar com tudo e achar que está sem nada. Ter a sensação de que nada faz sentido. Pensar que você pode ter perdido a graça. Dar risada e chorar em compassos de meio minuto. Desejar gritar quando de sua boca só saem grunhidos. Não entender bulhufas do que se passa com você mesmo. Normal. De repente, tomar sorvete. De chocolate. Com muita farofa de castanha de caju, leite condensado e tubetes. A cura de uma TPM é tão misteriosa quanto a própria existência.

quinta-feira, junho 11, 2009

Trocadilho

Estou escrevendo
para dizer-lhe uma coisa:
Nunca te amei.

Odeio você. Odeio os dias.
Odeio os pássaros, as palavras de amor.
Odeio as pessoas que andam abraçadas.
Odeio as lembranças. Odeio o nada.

Queria falar que você é passado.
Um espectro, um vento, um algo vazio.
Mas meu coração que hoje anda sombrio
ficou cego de amor, e ainda mais arredio.

Amo-te como o inverno odeia a primavera
que as árvores tão belas, insistem em presentear:
verde, flores e tudo o mais.

Amo-te como o verão odeia o frio,
como o pássaro odeia a tempestade,
e a mentira odeia a verdade.

Agora não amo mais.
Amo que te odeio.
Odeio que um dia posso te amar.

De tudo então restam-me as palavras,
únicas cúmplices e coniventes
do fato absurdo que ora se lê:
amarodeio odiamar você.

sexta-feira, maio 15, 2009

A insanidade e a crença platônica na indiferença

Ela anda suspirando pelos cantos. Não consegue mais disfarçar seu olhar vago. Em segredo, ela vê durante todos os minutos do dia uma cena que deseja, ardentemente, que aconteça. A cena em que ele, finalmente, olha para ela. Uma vez que fosse, bastaria. Já tentou de tudo, menos aproximar-se dele. Anda fazendo maluquices. Segue-o por todos os cantos, sugando-o com os olhos. Investiga-o por inteiro. O tom de voz, as cores da roupa, as amizades, os gostos. Não o conhece, mas já sabe de todos os seus segredos. Ultimamente, ela passou a apelar. Furou os pneus do carro dele ontem de manhã. Só para vê-lo em agonia. À tarde, deu umas riscadelas na lataria. Só para vê-lo em tormento. Hoje deu um jeito de quebrar um dos vidros. Adentrou o carro como se estivesse em um parque de diversões. O alarme ensurdecedor. Em um gesto suave e calmo, gargalhou ao colocar a mão embaixo do banco. Os CDs terminaram riscados, quebrados e espalhados. Satisfeita, pôs-se a esperar atrás de algumas árvores. Só para vê-lo com raiva e revolta. Enquanto esperava, sentia uma aflição quase incontrolável. Era como se tivesse feito tudo aquilo com o próprio rosto dele. Com sua identidade. Com sua indiferença. Foi então que aconteceu. O dono do carro, confuso, chegou. Olhou para ela no canto e perguntou-lhe se tinha visto alguma coisa. Ela gaguejou ao dizer que havia acabado de chegar. Foi quando caiu em si. Não era quem esperava que fosse. Na verdade, não sabia o motivo daquelas provocações ou quem pretendia atingir. Não sabia o porquê de estar ali. Não sabia sequer como tudo aquilo havia começado. Perdida em sua própria mente, fechou-se em perguntas para as quais não havia resposta. Apenas desespero. E dor. Muita dor.

terça-feira, maio 05, 2009

Cinderela, adolescência anos 90 e a anatomia da tristeza

Anda chorando em segredo. Por fora sua aparência engana, sustenta-se firme e com ar indiferente. Por dentro desmorona. Sente uma angústia que vai do estômago em direção à garganta, que derrete as células com um gás ácido e insalubre. Deseja gritar. Não quer enxergar aquilo que está a sua volta. Cria teorias em sua mente sobre a fonte de sua tristeza angustiante e passional. Tem a sensação clara de que o amor lhe escapa entre os dedos, que os dias parecem não querer continuar para sempre ensolarados. Quer encontrar a razão desse desespero. Busca-a fora de si. Deve haver outra. Ou outras. Serão mais bonitas? Mais agradáveis? Sente ira e tristeza. Profunda tristeza. Um buraco que carrega desde a sua tenra infância. Uma ferida que parece não querer cicatrizar. Uma dor que a persegue, que afasta seus sonhos e apodrece seus ideais. Sua respiração é quase inexistente. Tem um nó na garganta. Sente dores no baixo ventre. A umidade lhe magoa. O frio piora suas sensações. Agora já entende algumas coisas que antes lhe eram obscuras. Vem de uma geração que precisou recuperar a melancolia para ter a certeza de que está vivendo alguma coisa que pode se chamar de autêntica. Mas esse final sorumbático não é o que almeja. Longe disso. Essa atitude taciturna esconde um romantismo sem precedentes. Um romantismo de doer os ossos. Crê piamente que o amor é a origem de toda a felicidade. E perdida na busca de si mesmo, esconde-se no mito que mais deixou marcas em sua alma: o da gata borralheira. Em seu silêncio sofrido, do alto de sua torre, espera ansiosamente que seu príncipe encantado vá resgatá-la das garras de uma bruxa malvada.