sexta-feira, maio 15, 2009

A insanidade e a crença platônica na indiferença

Ela anda suspirando pelos cantos. Não consegue mais disfarçar seu olhar vago. Em segredo, ela vê durante todos os minutos do dia uma cena que deseja, ardentemente, que aconteça. A cena em que ele, finalmente, olha para ela. Uma vez que fosse, bastaria. Já tentou de tudo, menos aproximar-se dele. Anda fazendo maluquices. Segue-o por todos os cantos, sugando-o com os olhos. Investiga-o por inteiro. O tom de voz, as cores da roupa, as amizades, os gostos. Não o conhece, mas já sabe de todos os seus segredos. Ultimamente, ela passou a apelar. Furou os pneus do carro dele ontem de manhã. Só para vê-lo em agonia. À tarde, deu umas riscadelas na lataria. Só para vê-lo em tormento. Hoje deu um jeito de quebrar um dos vidros. Adentrou o carro como se estivesse em um parque de diversões. O alarme ensurdecedor. Em um gesto suave e calmo, gargalhou ao colocar a mão embaixo do banco. Os CDs terminaram riscados, quebrados e espalhados. Satisfeita, pôs-se a esperar atrás de algumas árvores. Só para vê-lo com raiva e revolta. Enquanto esperava, sentia uma aflição quase incontrolável. Era como se tivesse feito tudo aquilo com o próprio rosto dele. Com sua identidade. Com sua indiferença. Foi então que aconteceu. O dono do carro, confuso, chegou. Olhou para ela no canto e perguntou-lhe se tinha visto alguma coisa. Ela gaguejou ao dizer que havia acabado de chegar. Foi quando caiu em si. Não era quem esperava que fosse. Na verdade, não sabia o motivo daquelas provocações ou quem pretendia atingir. Não sabia o porquê de estar ali. Não sabia sequer como tudo aquilo havia começado. Perdida em sua própria mente, fechou-se em perguntas para as quais não havia resposta. Apenas desespero. E dor. Muita dor.

terça-feira, maio 05, 2009

Cinderela, adolescência anos 90 e a anatomia da tristeza

Anda chorando em segredo. Por fora sua aparência engana, sustenta-se firme e com ar indiferente. Por dentro desmorona. Sente uma angústia que vai do estômago em direção à garganta, que derrete as células com um gás ácido e insalubre. Deseja gritar. Não quer enxergar aquilo que está a sua volta. Cria teorias em sua mente sobre a fonte de sua tristeza angustiante e passional. Tem a sensação clara de que o amor lhe escapa entre os dedos, que os dias parecem não querer continuar para sempre ensolarados. Quer encontrar a razão desse desespero. Busca-a fora de si. Deve haver outra. Ou outras. Serão mais bonitas? Mais agradáveis? Sente ira e tristeza. Profunda tristeza. Um buraco que carrega desde a sua tenra infância. Uma ferida que parece não querer cicatrizar. Uma dor que a persegue, que afasta seus sonhos e apodrece seus ideais. Sua respiração é quase inexistente. Tem um nó na garganta. Sente dores no baixo ventre. A umidade lhe magoa. O frio piora suas sensações. Agora já entende algumas coisas que antes lhe eram obscuras. Vem de uma geração que precisou recuperar a melancolia para ter a certeza de que está vivendo alguma coisa que pode se chamar de autêntica. Mas esse final sorumbático não é o que almeja. Longe disso. Essa atitude taciturna esconde um romantismo sem precedentes. Um romantismo de doer os ossos. Crê piamente que o amor é a origem de toda a felicidade. E perdida na busca de si mesmo, esconde-se no mito que mais deixou marcas em sua alma: o da gata borralheira. Em seu silêncio sofrido, do alto de sua torre, espera ansiosamente que seu príncipe encantado vá resgatá-la das garras de uma bruxa malvada.