quinta-feira, setembro 09, 2010

Vestígios sobre a incondição feminina ou a crueldade dos contos-de-fadas

Às vezes não entendia o porquê de ser tão inconstante. Pensava que eram os hormônios, o ciclo vicioso da TPM, a crise de abstinência de sei-la-o-quê. Podia ser um pouquinho de todas essas coisas. E era. Mas não a causa principal. Com o desenrolar de algumas crises, passou a compreender que havia uma insegurança enorme dentro de si. Colossal mesmo. Daquelas de estremecer os fundamentos psíquicos. Ninguém desconfiava disso, porque isolava tudo dentro de seu universo interno. Ou não. E, por vezes, essa retenção toda explodia. Sentia-se burra demais, fraca demais, gorda demais, depressiva demais. Percebeu, com muito custo, que não se tratava tanto de insegurança. Mas de medo. Brutal mesmo. Daqueles que só a morte é capaz de apaziguar. Dentre muitas outras coisas, tinha medo do abandono, da doação incondicional, de se machucar, de ser rejeitada. Era tão calejada que nunca concebeu viver o dia da princesa, com que toda menininha sonha. Aquele em que a mocinha é conduzida pelo altar em direção ao final feliz. Foi educada a ser forte, auto-suficiente, de certo modo masculina. Pensava que era tudo isso. Ou que podia ser. Contra todas as suas previsões, aquele dia encantado veio, mesmo que imperfeito. E, depois de muito apanhar de seu gênio incompreensível, de sua incondição subjetiva, imperfeição foi o que se escancarou em frente ao espelho, quando começou a se enxergar realmente. Era mesmo uma menininha, no pior sentido possível. Era absolutamente imperfeita, completamente imatura, terrivelmente insegura e profundamente medrosa. A ponto de reagir de modo desproporcional e exagerado ao mínimo estímulo negativo em sua direção. E eis que, em meio à sua guerra interna, à sua confusão existencial, achou-se presa mais uma vez ao mito dourado do príncipe salvador. Que iria resgatá-la das garras de sua própria auto-flagelação, ou de sua absoluta ignorância. Não, donzela. Acorde de seu sono profundo, deixe de lado seus sapatinhos de cristal, corte suas longas tranças, desça de sua torre e marque uma consulta com o terapeuta. Imediatamente. E, de preferência, não deixe a dieta para segunda-feira. A partir de hoje, coma aquelas suculentas maçãs vermelhas ao invés desse chocolate insípido da Kopenhagen.