quarta-feira, março 30, 2005

Sobre formigas e ácaros

O negócio começou cedo. De um lado a formiga, cansada e mau-humorada. De outro, o ácaro, feliz da vida a cantarolar. Ela vinha de semanas de tensão, muita dor-de-cotovelo, muitas palavras não-ditas (e malditas), muito rock’n’roll, muita bebida, muito descompromisso, enfim, perdida na vida. Mal sabia de sua condição de himenóptera. Uma total amnésia existencial. Foi quando deu de cara com o ácaro. Ele a chamou de formiga, emendando um glorioso 'bom dia'. Aquilo lhe parecia ultrajante. Como se atrevia o ácaro?? Ela logo o chamou de agente patológico, de aracnídeo mal-resolvido. Ele riu-se inteiro. Gostou dela. Ela, mesmo o achando insuportável, acabou por se render, depois de muitos esforços acarofílicos para combater aquela acarofobia toda, aos seus galanteios. Mas deixava bem claro: 'ele é apenas meu fuck buddy, ouviu?!'. O tempo passou. A formiga, encantada com a acarodomácia que produzia a acarofilia entre eles, em seu leito verdejante, passou a corar quando lhe perguntavam sobre o ácaro. Pois bem, meus caros, não há outra verdade, embora a formiga não queira admitir. Ela está mesmo apaixonada!!!

domingo, março 27, 2005

As mãos

Encontravam-se os dois ali, deitados, nus, de mãos dadas. Despertou, após um breve instante de inconsciência, para perceber que já não mais sentia a mão dele na sua. Não que ele tivesse ido embora, estava ali, onde esteve o tempo todo, com sua mão na dela. A sensação havia se tornado tão confortável, familiar, que era como se a mão dele fosse parte da sua. Sorriu e, como que comprovar para si mesma a sua certeza, espreguiçou os dedos, o que perturbou o sono da pessoa com a mão na sua. Alguém, ao vislumbrar tal cena, de certo diria "Quanta afinidade!", ao passo que ela de pronto responderia "Que nada". Agora não tinha mais certeza, a não ser que sua mão estava coberta por outra. - Que coisa! Nunca sabia ao certo, sempre andava sobre ovos. Não podia se recordar de uma única relação em que a natureza desta estivesse clara. "Tá bem, tá bem, uma ou outra ainda vai". Estava angustiada. Não sabia se fazia, queria ou poderia reverter o quadro, só pra não variar um pouco. Perguntava-se se um dia saberia.

quinta-feira, março 24, 2005

Da dedicatória que não foi escrita

É desconhecida posto que separada, isolada. Solitária, está para os olhos como representação do inatingível. Ilhota? Talvez. Mas o isolamento que ostenta é apenas aquele que reflete. Guarda o canto das sereias, que sonhamos. Guarda o calvário de Ulisses, que tememos. É distante o suficiente para abrigar tudo o que sonhamos e tememos. A Ilha Desconhecida.
Sobre o seu conteúdo parece ser impossível projetar uma forma. Repousa no horizonte, intimida e incita. Cobra uma viagem que oferece – sem garantias – a plenitude, impõe o risco e nos obriga a tratar com descaso o que até então foi fatalidade. O seu acesso dispõe de caminhos variados. Todos eles impõem escolhas e ignoram o acaso.
A sua procura já foi palco para as viagens mais fascinantes. Navegadores que, deixando o solo conhecido e seguro para trás, fizeram suas velas ao mar. Todos salgaram as águas com suas lágrimas. Todos transformaram o sonho em caminho, o caminho em vida e o simples existir em desejado eternizar.
Conheço pouco a respeito dos mares ou da arte da navegação. Sobre a Ilha Desconhecida, sei apenas aquilo que o meu desejo permite. Ainda assim, bati à porta de um rei e pedi uma embarcação. Sincero e firme, o meu desejo sustentou o pedido. A embarcação foi concedida. Comecei os preparativos para a viagem. Eis que ela se inicia. Sinto o calor de um sol opressivo e a brisa refrescante. Contemplo a escuridão da noite e a luz orientadora das estrelas. Ao meu lado, tenho a cumplicidade e a reciprocidade da pessoa que desejou a mesma viagem. Com ela, o caminho é constante aprendizado e a vida é pura dádiva.

terça-feira, março 22, 2005

Sobre Liberdade e Libertinagem.

Ziraldo é um famoso cartunista brasileiro. Ícone de uma geração, catequizada pelo Pasquim, entre uma truculência e outra dos generais de plantão da ditadura. De tanto apanhar do regime ceifador da liberdade, Ziraldo parou de falar de política e passou a falar de sexo. Ficou célebre uma entrevista sua, à revista Playboy em 1980, quando declarou que nunca, nunquinha, havia broxado. Um quarto de século depois, mais coroa ainda, ele mantém a afirmativa. Um fenômeno. Tal declaração ainda hoje frequenta as rodas de boteco dos amigos. Quando alguém conta uma vantagem muito grande, superfaturando os dados da colheita da noite anterior, recebe logo os apupos: "Vai lá, grande Ziraldo!!" Relendo a entrevista muito tempo depois (mulheres, era a edição que trazia a musa Denise Dumont, vale a pena guardar até hoje), há uma série de declarações profundas, que passaram despercebidas injustamente. A que mais me toca, ainda hoje, é a seguinte: "As mulheres estão saindo para o revide, na base do 'vou te comer também'. Pô, se tudo mundo partir pra base do simplesmente dar e comer, vai ser uma merda, onde fica o amor no meio disso tudo?"
Perspectiva histórica: era o verão de 1980. Topless. Geração Dourada no Rio. TV Mulher. Marta Suplicy. Simone e Ísis de Oliveira. Desbunde generalizado. Finalmente, aqui no Brasil, ecoavam os bons ventos da liberação sexual. Mulher, agora, não simplesmente dava, mas opinava e, porque não dizer, estava começando a comer também. Como anarquista e humanista, acho isso o máximo. Sem querer fazer média. Mas o grande Ziraldo, de pé (sem trocadilho), ainda braveja: "Porra, e o amor?"
Em todas as revoluções avançamos. Mas é um jogo, basicamente, de ganhos e perdas. Mulheres, vocês ganharam em uma década coisa que milênios não conseguiram lhes dar. Faltam coisas ainda. Mas o salto foi enorme. Nós, homens, ganhamos também. Relações mais igualitárias, onde o ônus financeiro e, principalmente, emocional, passa a ser um fardo dividido em duas costas. Mas perdemos algo. Hoje em dia, são vários os receios no início de uma relação. É um verdadeiro vale tudo emocional. Toma lá, dá cá. As pessoas, de ambos os lados, não mais se entregam. Dão a mão, mas já entram de sola na canela. Dão um beijo, mas à la Sharon Stone, com um picador de gelo na mão cerrada nas costas.
Utopia. Já pensou um mundo com todas estas conquistas, mas com espíritos desarmados? Já pensou que máximo, ser escolhido por uma mulher, ser conquistado e envolvido por ela, "sem medo de ser feliz"? Quem sabe não está na hora de passarmos para a próxima fase desta revolução? A do amor baseado na autoconfiança e confiança mútua?
Tenho vivido os últimos 3 meses e meio desta maneira. Não tenho do que me queixar.
Beijos a todas.

PS: Tore, na verdade, é _Ne_. Vou assinar com o nickname carinhosamente dado pela irmã de uma das donas deste espaço.

quarta-feira, março 16, 2005

A Cebola e a Cenoura

Há um ano atrás, estávamos tentando nos encontrar. Lost cause, O Verdadeiro Você, Fases de toda mulher nossa de cada dia, Antes só do que mal acompanhada, Dicionário, e muito This hurt will hurt no more. Paixão, desilusão, dor-de-cotovelo, esperança, esquecimento, carência, piranhice, nova paixão. Muitas foram as percepções da realidade, mas o mote era invariavelmente o mesmo. Mudaram alguns personagens, vieram mais amigos, e os comentários nos enchem a alma. Os posts da _Me_ sempre incompreendidos. As minhas pseudo-poesias que talvez digam alguma coisa qualquer. As palavras sentimentalíssimas da *Star. Um ano depois, quais são os resultados? Mais TPM, mais dor-de-cotovelo e ainda mais palavras cósmicas e despretensiosas... Só que desta vez, as coisas estão diferentes. Nos encontramos nas palavras. Eu. Você. Todos. Algumas de nós encontraram a paz. Outras procuram livrar-se dela. Há até quem ainda não encontrou nada, mas continua procurando. E, como o Cebola precisava de um alter ego, algo que trouxesse uma visão do outro lado do espelho, convidamos dois queridos amigos para fazerem parte deste universo do palavrório sentimental. Com vocês, a partir de hoje, o _Ne_ e o **Leleu**. A nossa parte masculina. O outro eu do Cebola: a Cenoura. Eles já escrevem seus próprios blogs, e agora vão desvendar e compartilhar conosco suas neuras, preocupações, alegrias, bobagens, medos, convicções, opiniões, dúvidas, enfim, tudo o que está sob o invólucro de um ser masculino, tão misterioso e incompreensível para nós, mulheres. Sejam bem-vindos, Nê e Leleu!!!

domingo, março 13, 2005

Meio-termo

Meio-termo, meio-termo, meio-termo.
Será que se eu repetir diversas vezes eu entendo?

Meio-termo, meio-termo, meio-termo...

terça-feira, março 08, 2005

Clichês

Hoje não acordei para clichês, nem lugares comuns. Usei peças de roupa repetidas, com outra combinação. Entrei por outra porta, sai pela lateral. Dormi no sofá, para variar. Não peguei o elevador, fui pelas escadas. Fiquei a pé. O cabelo sujo, contando somente com tic-tacs para disfarçar, e nem liguei. Vesti uma meia de cada cor. Troquei o relógio de pulso. Não demonstrei animosidade. Não me comemorei hoje, me comemorei ontem. E antes e antes.

quinta-feira, março 03, 2005

McRomance

Já acho que amor de novela não existe. Muito menos aquele amor cinematográfico, que leva os pobres coitados dos protagonistas de filmes a moverem montanhas. E aquelas canções de amor? Tudo farsa, mentira. A realidade é diversa, é, bem, a realidade. Fato é que a grande maioria de nós anda pelas ruas sem seu par ao lado. As mãos seguem o balanço sozinhas. O versos são vãos, irresponsáveis. Ah, e o velho fingir na hora rir! E toda aquela baboseira nonsense de que quando menos se espera, a pessoa da sua vida aparece. Cansei! Me falaram que não se escolhe a hora de se apaixonar. Pois bem, eu estou escolhendo. Quero me apaixonar enquanto aindo sou jovem. Estou escolhendo não escolher tanto. Estou escolhendo o caminho fácil, um McRomance. E sim, eu quero fritas para acompanhar.*

Post chato, de um dia chato, com uma tpm chata.

*Do filme "Eternal Sunshine of the Spotless Mind"