segunda-feira, setembro 29, 2008

Sobre como voar

Estava sentada no banco da praça, sob o céu estrelado, olhando para o nada. Não estava ali. Viajava por lugares desconhecidos, por mistérios a desvendar, por sonhos a serem realizados. Notava que sua vida parecia vir de um roteiro de filme inacabado. Cada segundo parecia ter um impacto relevante para determinar o caminho a ser seguido. Pensava em surpresas, em cenas infinitas, em desejos implícitos, em diálogos estimulantes. Sentia-se como a película marcada pela luz, que revela paisagens indescritíveis, que provoca sensações impensáveis, que imprime na efêmera existência humana as mais doces memórias. O silêncio se quebrou. Logo ali, um punhado de pássaros barulhentos, disputando o último farelo de pão. O vôo insólito havia terminado. De pronto, soube. Voar é um estado de espírito. Envolveu-se de uma serenidade admirável. Sorriu. A segunda estrela à direita insistia em brilhar mais forte. Naquela noite, decidiu perseguir o brilho incessante até o amanhecer.

terça-feira, setembro 02, 2008

Contradição inquisitória

As perguntas às vezes são muitas, mas se calam no íntimo. Insípidas, querem explorar algo dormente. Aquilo que permanece incógnito no vazio pretérito. Querem saber o porquê de algumas coisas incompreensíveis. Ou talvez de uma específica. Daquele dia. Ou talvez por que ele falou que nunca mais iria procurá-la. Querem saber ainda mais. Se ele gostaria de perguntar também. Se o silêncio dela significa indiferença. Se algumas palavras são ditas dissimuladas em mágoa. As perguntas insistentes são diversas, mas todas elas sem importância aparente. Guardam um quê de curiosidade masoquista. Estão ligadas à incerteza de apostar alto em algo que se acredita. E no medo pavoroso de que isto se desmorone. São interrogações que tornam frágeis os laços de cumplicidade. Almejam serem satisfeitas, porém temem a tormenta que podem provocar. Aguardam inquietas por serem insignificantes. Tentam destruir a beleza do que é. Mas que, comparadas a isto, desfalecem. O brilho da viagem as obscurece. O pensamento se alegra da vertigem e todas as perguntas perguntam-se: afinal, por que ainda estamos vivas?