quarta-feira, agosto 04, 2004

VISTA CANSADA

Você vê bem? Quando vê o mar, vê seus peixes, plantas e seres desconhecidos, ou apenas a superfície dele? Quantas pessoas você conhece como o mar?

Um dia qualquer em qualquer lugar. Olhavam-se. Conversavam com seus amigos. Aproximaram-se. Trocaram meia dúzia de palavras. A atração física impressiona. Tentaram falar mais um bocado. Beijaram-se. Estavam felizes.

Um tempo qualquer depois. Estavam juntos. Mal se olhavam. Mal se falavam. Mal se tocavam. Mal se beijavam. Apenas permaneciam. Inertes. Cada olhar para um lugar. Viam-se todos os dias, mas não se conheciam. Continuavam tão estranhos quanto naquele dia qualquer em qualquer lugar.

Após um tempo qualquer depois. Não viram com olhos de quem realmente vê. Não observaram. Não experimentaram. Não vasculharam. Não desvendaram. Não mais permanecem juntos. Não sabem nada um do outro. A falta, por vezes, ataca. Mas a falta é de um espectro, criado pela ilusão de ter visto. Vista cansada. Nunca chegaram nem perto de conhecer felicidade alguma. São apenas e tão-somente completos estranhos. Eram inteiramente iguais a cem outras pessoas. Nada compreenderam do que um dia qualquer alguém lhes disse. É... on ne connaît que les choses que l'on apprivoise*.


* frase da raposa no livro Le Petit Prince; traduz-se: "A gente só conhece bem as coisas que cativou".

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